segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O brinquedo ideal


O brinquedo ideal é aquele que permite a brincadeira: a imaginação, a descoberta, a exploração, a imitação, o planejamento, a solução de conflitos, o aprendizado sobre si mesmo e sobre o mundo, a interação com os outros e o ficar só. São os brinquedos que se transformam conforme a brincadeira, no decorrer dela e ao longo do crescimento da criança. Não são engessados, restringindo as possibilidades de brincar.

Quem já observou uma criança brincando com uma boneca que fala frases prontas pôde observar seu encantamento inicial pelo que parecia mágico, a fala. Mas pôde também observar seu rápido desencantamento. A boneca só fala o que ela, boneca, “quer falar”. Ela é dura, não aconchega no colo, não pode ser lavada por causa das pilhas. Se a boneca representa o bebê, os cuidados maternos, a relação de quem brinca com o mundo adulto e infantil, o quê esperar de uma boneca que não permite um diálogo criativo e espontâneo, não permite ser carregada como se deseja, nem introduzir a tão gostosa água de tantas brincadeiras. É compreensível que a magia se dissipe ligeiramente pelos ares.

O que acontece com o tradicional “brinquedo de menina” também ocorre com os trenzinhos que giram numa pista pronta sem participação nenhuma da criança (só montar e observar é muito pouco para chamarmos isto de participação), com os carrinhos que andam pela casa cantando e tantos outros similares que permitem pequena interação.

Brinquedos tão desejados (pelos pais, avós, tios, amigos, criança), implorados e logo deixados de lado. Pense nos brinquedos de sua infância. Pense nos brinquedos de seus filhos. Quais são os inseparáveis, os mais legais de brincar? Quais foram rapidamente esquecidos, deixados no fundo do baú, sem lembrança ou saudade? Certamente os brinquedos que inibiam o brincar, a liberdade de se expressar.

Numa sociedade em que ter vale mais do que ser e dar mais do que estar, não é apenas o bombardeiro da publicidade e as lojas abarrotadas de opções que contribuem com o frenético pedido de “quero este”, “compra aquele”, mas também a impetuosa atitude dos pais de consumar o pedido, muitas vezes imediatamente, abortando  aprendizados tão importantes como o questionamento e a capacidade de espera.

Quando falamos em brinquedo, estamos nos referindo, antes de mais nada, a objetos de desejo, de filhos e de pais. Quantos pais compram um brinquedo, muitas vezes sem o filho ter nascido ou ainda sem idade para usá-lo, só porque o achou bacanérrimo. Aqui temos duas questões importantes que merecem atenção: o desejo dos pais sobrepondo-se sobre ao do filho e o modelo de consumo dos pais, que será o modelo de consumo dos filhos, pelo menos até a adolescência, quando pode haver algum confronto com o modelo parental. Se os pais não param para pensar desde o começo, lá na frente vão se deparar com os desenfreados e insistentes pedidos de “compra, vai”, “eu quero”. E sem saída, acabarão comprando, e o que é pior, educando para um consumo não consciente.

O filho pede, insiste, persiste, “fica doente” se não ganha o tal do brinquedo. Então ele ganha, brinca um pouco e o tão desejado brinquedo cai no esquecimento. Triste fim. Do dinheiro suado, do sonho acordado, da infância que passa.

Sempre é tempo de parar, pensar, rever. Com a aproximação do Dia das Crianças, “dia oficial de ganhar brinquedo” (pelo menos entre a maioria das famílias brasileiras, e é no brinquedo que foco neste texto e não nas alternativas de comemoração da data), experimente escutar o pedido deste ano, não apenas como um pedido, mas como um pedido carregado de significado, ou um pedido que precisa ganhar significado. A criança pede um determinado brinquedo porque os amigos têm e ele não? A criança quer um brinquedo (ou vários) porque foi devorada pelos comerciais da TV? Ela pede um brinquedo porque o achou legal? Quais os benefícios que o brinquedo pode trazer para a criança? O que está por trás do pedido?

Por trás de um pedido sempre há um significado que precisa estar claro para os pais e para a criança. Brinquedo não deve ser ingresso para as rodas de amigos (se assim é, está-se valorizando o ter em sobreposição ao ser, e com isto todos perdem no curto e longo prazo). Brinquedo deve propiciar trocas afetivas e não entrar no lugar do afeto. Brinquedo deve ser escolhido pelo que ele realmente é, e não pelo que ele parece ser. Brinquedo tem que ter qualidade, segurança e longevidade, tanto em termos de durabilidade, quanto em vida útil nas mãos de uma mesma criança.

Brinquedo que se brinca nem sempre é encontrado nas lojas. O primeiro brinquedo de toda criança é o próprio corpo. Evolui para objetos simples, como potinhos encontrados em qualquer cozinha. Uma pedrinha na areia da praça, uma folha do jardim, exercem um fascínio que muitas mesas de atividades cheias de sons e balangandãs não conseguem propiciar por muito tempo. A simplicidade dos brinquedos dos estágios iniciais da vida não pode se perder ao longo do crescimento. Criança precisa do seu corpo para brincar e de brinquedos que não tolham sua criatividade e expressão, como os brinquedos que têm função pré-definida.  Aqui não me refiro aos jogos, que são estruturados, com objetivo definido e de extrema importância no que tange a compreensão e a aquisição de regras, o estímulo do raciocínio lógico e, em muitos deles, a coordenação motora. Brinquedo com função pré-definida são os estereotipados e os que limitam a maneira de brincar.

Brinquedo ideal não é um ideal. É apenas um recurso importante no desenvolvimento da criança e, por esta razão, merece atenção que, infelizmente, nem sempre é dada. Brinquedo ideal pode ser uma árvore, uma piscina, uma bola, uma bicicleta, um bolo na batedeira, uma fita crepe, uma boneca gostosa, um pedaço de pano, um carrinho qualquer, uma bacia com água. O brinquedo ideal está no poder de inventar e transformar. O brinquedo ideal se cria e recria a cada brincadeira, em todos os dias da criança (que, diga-se de passagem, nunca morre em nenhum de nós!). Brinquedo é assunto muito sério. Se ele não tem plasticidade, a criança não aprende a ter jogo de cintura, vital para qualquer ser humano em todas as fases de sua vida. Pense nisto antes de ser fisgado pelas armadilhas do consumo!


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